A Graça da Coisa – Martha Medeiros

A Graça da Coisa é mais um conjunto de crônicas de Martha Medeiros, cujos temas versam sobre coisas comuns presentes na vivência do dia a dia, especialmente sobre amor, relacionamentos, comportamento, cinema, mantendo os assuntos que fizeram o seu sucesso e geraram identificação com o leitor, ainda que, alternando o começo de uma quase resenha sobre algum livro que acabou de ler com uma comparação da forma com que vivemos nossas vidas, olhamos as dificuldades e enfrentamos os mistérios da humanidade. 

As pequenas abordagens vão desde o barulho que existe numa cidade grande, como   banalidades — um cachorro quente —  a uma declaração de amor, enfocando ainda as vantagens de quem sabe se desapegar do que é desnecessário para transformar ansiedade em sabedoria.
 
É uma frase da qual sempre gostei, mas lembrei dela outro dia num local inusitado: dentro do supermercado. Comprar maionese, band-aid e iogurte, por exemplo, hoje requer o que se chama por aí de expertise. Tem maionese tradicional, light, premium, com leite, com ômega-3, com limão. (...)
 
Para Martha, fazer crônica é a mesma graça de fazer tudo que se gosta, sem drama e sem sofrimento. A crônica é um compartilhamento, um exercício de criação mesclado com a realidade, um toma lá dá cá, uma troca com leitores desconhecidos. Ela é dinâmica e instantânea, como a vida.
 
Lançado em julho deste ano, A Graça da Coisa é uma coletânea de 80 textos da escritora publicados nos jornais Zero Hora, de Porto Alegre e O Globo, do Rio de Janeiro,  nos dois últimos anos.   Do jornal ao livro, as crônicas sofreram poucas modificações, por serem os assuntos que fizeram o seu sucesso e geraram a identificação com o leitor.
 
Hoje existem várias “marcas” de felicidade. Casar, não casar, juntar, ficar, separar. Homem e mulher, homem com homem, mulher com mulher. Ter filhos biológicos, adotar, inseminação artificial, barriga de aluguel – ou simplesmente não os ter. Fazer intercâmbio, abrir o próprio negócio, tentar um concurso público, entrar para a faculdade. Mas estudar o quê? (...)
 
Segundo a autora, a transição é importante para garantir maior vida útil ao pensamento da crônica, além de confirmar a autoria do texto, devido a versões adulteradas de seu trabalho circulando pela web.
 
Em A Graça da Coisa, Martha  pede ao leitor que se deixe conduzir por dúvidas que nem sempre querem ser respondidas, assim como insights sobre as relações humanas, comentários sobre filmes ou anedotas cômicas.
 
Martha ao mostrar esses pequenos elementos sobre o acaso, sobre o amor e sobre nossas escolhas, nos introduz com uma base que nos deixa preso naquele contexto, nos sacode com uma verdade que não esperávamos e depois nos mostra que tudo aquilo é o que faríamos, fizemos ou vamos fazer, mas nunca percebemos,  até aquele momento em que ela nos mostra, na cara, sem piedade.
 
(...) Para ser feliz, bastava estudar (Magistério para as moças), fazer uma faculdade (Medicina, Engenharia ou Direito para os rapazes), casar (com o sexo oposto), ter filhos (no mínimo dois) e manter a família estruturada até o fim dos dias (...)
 
Como uma consulta ao psiquiatra que dá certo, os textos de Martha Medeiros partem das neuroses do dia a dia e desembocam num convite para encará-las com mais leveza.
 
Possivelmente, são esses assuntos cotidianos que mais chamam a atenção do leitor, como algumas crônicas que abordam um pouco de sua paixão pelo cineasta Woody Allen, uma análise do livro Dupla Falta, de Lionel Shriver ou então uma peça de teatro que assistiu. Tudo isso dá um toque especial em algumas de suas crônicas.
 
No mais, suas crônicas funcionam quase como um grupo de terapia, onde a autora procura discutir e levantar algumas questões a respeito de temas específicos, buscando como solução encarar o problema, e claro, encontrar a “graça da coisa”.
 
O leitor ainda pode contar com suas frases que ficam gravadas na memória e, com certeza, às registrará em qualquer outro lugar, para não serem esquecidas.
 
A vida padronizada podia ser menos estimulante, mas oferecia mais segurança, era fácil “acertar” e se sentir um adulto. Já a expansão de ofertas tornou tudo mais empolgante, só que incentivou a infantilização: sem saber ao certo o que é melhor para si, surgiu o pânico de crescer.
 
Pode-se dizer que a autora, como sempre, apresenta um texto coeso  e fluído, seja para enfocar assuntos familiares, como arte ou relacionamentos e, muito embora, como em toda a coletânea, encontremos crônicas que deixam muito a desejar, também,  há algumas que se destacam.
 
De qualquer forma vale a pena conferir, principalmente, para os que já conhecem o trabalho da autora e, para os que não conhecem: “ É um convite a enxergar a vida sem tanta rabugice. Por trás de tudo, mesmo das coisas mais sérias, há algo que desperta nosso humor.”
 
Autora: Martha Medeiros
Editora: L&PM
Ano: 2013
Assunto: Literatura Brasileira— Contos e Crônicas
Preço: De R$ 28,80 a  R$ 36,00
 
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Um pouco sobre a autora:
Martha Medeiros nasceu em Porto Alegre em 20 de agosto de 1961. É jornalista, escritora, aforista e poetisa brasileira. Começou seu trabalho escrevendo poesias, ainda nos anos 1980, mas só se tornou conhecida pelo país ao escrever crônicas para os jornais Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro.
 
Além de ser autora de best-sellers como Um Lugar na Janela e Feliz por Nada, também teve algumas de suas obras adaptadas para o teatro, cinema e TV:
 
• Trem-Bala (1999) — Adaptado para o teatro, sob direção de Irene Brietzke;
 
• Divã (2002) —  Adaptado para o teatro, cinema e série de TV, todos estrelados pela atriz Lilia Cabral, no papel de Mercedes;
 
• Tudo que Eu Queria te Dizer (2007) — Adaptado para o teatro e estrelado por Ana Beatriz Nogueira;
 
• Doidas e Santas (2008) — Adaptado para o teatro e estrelado por Cissa Guimarães;
 
• Fora de Mim (2010)  — Adaptado para o teatro e estrelado por Flávia Alessandra.
 
Seu último livro  A Graça da Coisa já está na lista dos livros de não-ficção mais vendidos. O sucesso era previsível, não só pelos resultados alcançados com suas coletâneas anteriores, especialmente em  “Feliz por nada”, como  também pela repercussão que seus textos causam entre os leitores de jornal e pelos usuários de redes sociais.
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