O Mito da Caverna — Excerto do livro “A República” de Platão

"Há, pois, o mundo das idéias e o mundo das aparências. Quem  não percebe  isto,
vive como que numa caverna, onde o
 conhecimento  se faz por meio de sombras..."
Trecho do Livro Sétimo de "A república" de Platão


O Mito da Caverna, também chamado de A Alegoria da caverna, foi escrito por Platão — nascido em Atenas, filósofo e matemático do período clássico da Grécia, discípulo de Sócrates e Mestre de Aristóteles, cuja doutrina exerceu enorme influência em toda a filosofia ocidental — no século IV A.C. e encontra-se na obra intitulada A República, livro VII.

Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade.

É utilizado o diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão.

Caverna (do latim cavus, buraco), gruna ou gruta (do latim vulgar grupta, corruptela de crypta) é toda a cavidade natural rochosa com dimensões que permitam acesso a seres humanos. Podem ter desenvolvimento horizontal ou vertical em forma de galerias e salões. Ocorrem com maior frequência em terrenos formados por rochas sedimentares, mas também em rochas ígneas e metamórficas, além de geleiras e recifes de coral.


O Mito da Caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, a passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo , e a explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático, organizado, e busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.

Imaginem uma caverna — separada do mundo externo por um muro bem alto — com uma pequena fresta por onde passa um feixe de luz exterior. Ali, desde a infância, seres humanos estão aprisionados tendo as pernas e o pescoço acorrentados, de modo que não podem mover-se, e apenas veem o que está à sua frente, uma vez que as correntes os impedem de virar a cabeça.
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Acima e por trás deles, um fogo arde a certa distância, entre o fogo e os prisioneiros, a uma altura mais elevada. Incapazes de virar a cabeça, veem somente as sombras projetadas na parede pelo fogo. Nada conhecendo além disso, sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do sol, mas, apenas as sombras de seres humanos carregando objetos de várias formas, tomam essas sombras por realidade.

Supondo que um deles decida abandonar essa condição quebrando as algemas. Aos poucos vai se movendo e avança na direção do muro e o escala com dificuldades, não só pela dor causada pela imobilidade, como também pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela.

Porém, aos poucos, acostuma-se com a claridade e descobre que existe outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo; percebe as pessoas e objetos reais, que só conhecia em forma de sombras , e descobre que durante toda a sua vida, não vira senão sombras de imagens e fica fascinado com essa nova realidade, passando a lamentar sua antiga ignorância.
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Libertado e agora conhecedor do mundo, regressa ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu, convencê-los a sair das trevas e trazê-los à luz da razão...Porém seus companheiros o rechaçam, zombam dele, o golpeiam e lhe dizem que sua ida ao mundo exterior havia interferido em sua percepção de realidade e, por isso, não só não arriscariam seguir seus passos, como também estariam dispostos a quitar-lhe a vida caso não conseguissem silenciá-lo e/ou insistisse para que eles saíssem da caverna.
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Pode-se dizer que O Mito da Caverna é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras à nossa frente e tomá-las como verdadeiras.

Assim, como no Mito, podemos dizer que estamos presos a cavernas, apenas observamos as sombras que nos chegam de fora, e não ousamos, deste modo, sair das cavernas para confrontar ou compreender o que de fato ocorre do lado de fora. Assim, tomamos aquilo que vemos como certo e verdadeiro, iludindo-nos com a realidade que criamos e, esta passsa a nos aprisionar e a impedir que compreendamos o que de fato ocorre do lado de fora da caverna.
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Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, tem sido abordada, durante a história, por muitos filósofos e autores, como Calderón de la Barca — A vida é um sonho; Aldous Huxley — Admirável Mundo Novo; Irmãos Wachowski — o filme Matrix; Michael Bay — A Ilha; José Saramago — A Caverna e até Maurício de Souza, em seus quadrinhos, fez uma analogia ao tema de Platão, mostrando-nos que mesmo com o passar dos séculos, o ser humano continua condicionado a uma vida determinada pelo ambiente à sua volta.

Podemos citar como exemplo os meios de comunicação, tais como a televisão, o computador e o celular que passam a ser os grandes manipuladores da mente humana, induzindo o ser humano a levar uma vida de acordo com os conceitos e regras ali apresentados. 

.....Como em todas as coisas da vida
 é uma questão de tempo e de paciência,
uma palavra aqui, outra palavra acolá, um
subentendido, uma troca de olhares, um súbito silêncio,
pequenas gretas dispersas que se vão abrindo no muro,
 a arte do devassador está em saber aproximá-las,
em eliminar as arestas que as separam,
chegará sempre um momento
em que nos perguntaremos se o sonho,
a ambição, a esperança secreta dos segredos não terão,
 afinal, a possibilidade, ainda que vaga,
 ainda que longínqua, de deixarem de o ser.
 José Saramago — A Caverna


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Para assistir uma interpretação de "A Alegoria da Caverna", Platão.

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Para assistir ao vídeo "As Sombras da Vida", Piteco, em quadrinhos por Mauricio de Souza.


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O Mito da Caverna
. Extraído de “A República” de Platão — 6ª ed., Ed. Atena,
1956, p. 287—291

SÓCRATES

Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão.

Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.


GLAUCO
Imagino tudo isso.



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SÓCRATES
Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira.


Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.


GLAUCO
Similar quadro e não menos singulares cativos!



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SÓCRATES
Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?

GLAUCO
Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.



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SÓCRATES 

E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?

GLAUCO
Não.



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SÓCRATES
Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?

GLAUCO
Sem dúvida.



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SÓCRATES
E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?

GLAUCO
Claro que sim.



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SÓCRATES
Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
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GLAUCO
Necessariamente.



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SÓCRATES
Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.


Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?

GLAUCO
Sem dúvida nenhuma.



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SÓCRATES
Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?

GLAUCO
Certamente.



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SÓCRATES
Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?


GLAUCO
A princípio nada veria.



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SÓCRATES
Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.

GLAUCO
Não há dúvida.



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SÓCRATES
Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
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GLAUCO
Fora de dúvida.



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SÓCRATES
Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.

GLAUCO
É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.



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SÓCRATES
Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?

GLAUCO
Evidentemente.



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SÓCRATES
Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?


GLAUCO
Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.



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SÓCRATES
Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?

GLAUCO
Certamente.

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SÓCRATES
Se, enquanto tivesse a vista confusa - porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade - tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?

GLAUCO
Por certo que o fariam.



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SÓCRATES
Pois agora, meu caro.

GLAUCO
É só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol.

O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.

Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.


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Fonte:
• A República de Platão
• Os Pensadores - texto sobre Platão
• Pesquisa live na internet
• pt.wikipedia.org/wiki/A_República
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